terça-feira, 29 de setembro de 2009

Relatos da Percepção – A xícara


Imagem: Contemplando La Vida - da obra de Jaqueline Shaw

Suavemente, o pouco chá que ainda restava no fundo da discreta xícara, derramava-se no parapeito e, lentamente, aproximava-se de uma insignificante barreira no azulejo sendo, esta, quase invisível aos olhos, mas que ainda assim evitava o derramar em cascata daquele pouco de chá que deslocava-se horizontalmente pela quase imperceptível barreira ao longo da extremidade do azulejo do parapeito, sem dele escorrer para baixo.
Da pequenina xícara, desprovida de qualquer tipo de alças, desprendiam-se ideogramas japoneses em dourado, os quais vinham de muito longe trazendo àquela xícara, uma situação de conforto ao permitir-lhe a condição de um recipiente primariamente semiológico onde, em sua estrutura total, vinculavam-se a finalidade de receber algo em seu interior e emitir algo de seu exterior...
É possível que, a realização completa desta xícara, finalmente, aconteça quando a compreensão de seus ideogramas seja obtida por alguém que ali esteja e, em seguida, um chá a esta xícara sirva. Ela, assim, existiu por completo. Mesmo que não se compreenda seus ideogramas mas, observando-os e obtendo-se qualquer tipo de reação congnitiva através deles como, um devaneio pelo oriente por exemplo, assim se estará realizando as duas etapas desta pequenina xícara ilustrada com ideogramas japoneses.
Podia-se observar, então, que ela estava em plenitude com sua existência para além de suas funções agora.
Já, sem o chá, pois um tanto fora bebido e o que restou havia derramado-se, podia conter esta xícara, em seu interior, todo o vazio que lhe era próprio... uma imensidão incontável para números que pertencem à Matemática das xícaras. Ela é capaz de receber, da mesma forma, uma imensidão de chá; quantidades incognocíveis para o homem, na linguagem das xícaras.
São grandezas proporcionais, seu vazio e seu cheio.
Esta xícara cheia, esta completa de um todo que a preenche em seus limites, os mais ínfimos possíveis.
Para o olhar humano, são apenas 50 mL de chá... mas para o ser xícara, temos o preenchimento de um total que revela toda a capacidade interna própria desta qualidade do ser, uma qualidade que se autoafirma justamente por sua espacialidade, a qual determinará o que esta forma é.
Esta forma é uma identidade, uma entidade relevante para os entes líquidos, sólidos e mesmo gasosos. Ela pode conter. Conter e derramar... ela pode conter entidades nestes três estados físicos e abriga-los, conforta-los e conforma-los, no sentido próprio de dar-lhes forma, também.
Seu estado interno de recipiente, recebe e cria a possibilidade de dar toda a sustentabilidade a uma realidade de líquido, por exemplo, que, por sua vez, forma-se, conforma-se e sossega no interior de uma forma, a qual lhe permitirá o repouso.

Mosiah Schaule