quinta-feira, 27 de março de 2008

Dia outonal...


Haviam alguns velhos...
No meio do aldeião...
Todos com carapuças...
Alguns meio símios...

Um deles andava por entre vasos ornamentais...
Confundindo-se, ele mesmo, com as lamparinas ilusórias...
Os demais, o viam apenas no seu pigarrear...
Outros, dos velhos, faziam, das marteladas em pedregulhos, uma espécie de dentada memorável, onde saboreavam o passado...

Mais que ferramentas...
Os martelos tornavam-se órgãos vitais em seus punhos....
Abaixo de seus super cílios abriam-se cabanas diminuídas
Onde moravam em suas lembranças...

Mesmo suas lembranças...
Desembocavam num pensamento inexistente...
Eram reflexos furtivos, de devaneios extintos no passado...
Projetados agora em um evento ilusório...

Assim...
De suas orelhas um tanto quanto deformadas...
Saíam violões...
Tocando melodias tristes...
Melancólicas e úmidas...
Onde podia-se associar idéias, como alguém que diz:

“- Ontem, todos os meus problemas pareciam tão distantes...
Eu acredito no ontem...”

Eram cordas moles...
Que saindo do violão, desciam na água...
Em poços artesianos...
Onde pombos sossegados amoleciam também...

Por horas...
Não conseguiam permanecer nem dentro, nem fora das casas...
As vezes, não sabiam existir...
Porém, também não sabiam não existir...

Eram como visões...
Visões deles próprios...
Que nos gramados secos...
Costuravam seu sono...

Mosiah Schaule

sábado, 22 de março de 2008

Submerso...


Sem mais cansar-se...
Assim, mais adiante, digo a mim mesmo para hoje ouvir...
Enquanto árvore e sorriso de polvo, entre recifes de sonhos...
Pois o fundo se expressa onde sem mais pressa existe-se...
Nas razões sem luz, nos mundos nascidos na escuridão profunda...
Distantes do que se sabe por consciência...
Onde não se sabe, onde multidões semiológicas aproximam-se e afastam-se...
Sais de logos são partículas na fluidez do imenso...
E o movimento entorna, revolto com toda a intensidade por onde quer que exista...
E no inteiro de seu som, recortam-se pedaços de silêncio profundo...
Onde movem-se uma infinidade de céus...
As criaturas incomunicáveis em presença fazem-se todas uma...
Assim, submerso posso experimentar as imagens que se criam...
Na imensidão de instantes...
Onde em cada recorte do silêncio, em cada fragmento de silêncio está uma pintura...
Em ânimo próprio, tais fragmentos do silêncio autorecortam-se e unem-se...
Sempre de modo inusitado...
Há em cada uma de suas partes o desvio do entendimento...
E a percepção nas profundezas afóticas, se apresenta...

Mosiah Schaule

quinta-feira, 13 de março de 2008

... Distante... ser distante...

No sentido...
São entre as casas dos sentidos...
Entre meio as paisagens sensíveis... Esqueceu-se também de expressar-se...
As tangentes não vertenciais, correntes de tantos tempos impensados...
Inalterados por tal supremacia própria de sí... de seu código interno...
Suas combinações, são pais de momentos eternos e raríssimos...
Tais configurações de momentos e movimentos geram a matriz dos sonhos...

Raízes... mais que nutridoras...
Mares de vivências descontínuas...
Sonambulismo paisagista, das cachoeiras de emoções torrenciais...
O aflorar de perpetuidade interna no que existe apenas depois de não existir...
Como o não ter mais, ser a porta para se ser....
Não chove aqui por que não precisa...
Quando se chove aqui é por que também não precisa chover...
Acontece o impreciso....que invariavelmente é preciso em acontecimento...

Mais que flora madrugal....
Mais que matizes psicotrópicas...
Ainda que desconfigura-se a experiência aprendida, movimenta-se...
E a nova experiência é complexificada em estrutura...
Vezes com o abandono dos modelos, vezes com transmutação de elementos...
E ainda chove, mais que antes, menos que ante-antes...
Correu rio, subiu rio, subiu-se o rio...
Centenas de fôlegos, e ainda mais centenas de dez fôlegos na água forte...

E agora é noite...
De fato, já estava noite, mas esta noite a partir de agora é diferente...
É mais noite que antes...
É a parte em que acontece a noite da noite...
E para isso vive-se o dia...
Dentro da noite...
E as razões das coisas suspiram por vezes...
Por vezes, por vozes, por des-serem...
Sem dentro, as coisas da razão, que justificam a des-razão das coisas...





E por mais que queiram...
Os bichos da noite devoram estas coisas...
E então se dá a transmutação...
A cada mordida... a cada unha que rasga a pele...
A cada investida do animal noturno que me devora...
Descortinando-me...
Devorando o que não existe em mim...
E pouco a pouco me trazem para perto deles...
E então tenho outra pele...
E então não sou...

Nas estradas estreitas...
Nos arredores das estreitezas...
Plantas de caráter supremo...
Vegetações e vendavais...
O sinal das grandes plantas, o uivar das grandes folhas...
E vem de longe o cuidado para com as grandes tormentas...
Vem seja de onde for, mas o cuidado sempre vem e é...
São como galhos rígidos e flexíveis...
São como mãos que agarram com o cuidado e com o zêlo...
De qualquer momento, em todos os lugares...
Simplesmente tudo esta em apenas um lugar...

E a tormenta, a tempestade...
As águas do céu...
As águas da terra...
As terras na água e o vendaval que assopra...
Onde quer que suspire o vento e suas criaturas, se dá para ouvir...
Mais do que ouvir...
E ainda se ouve mais do que se pensa ouvir...
Entrado na água, subindo pela água do rio...apenas não se pensa...
E o céu também vem ao rio...
A noite se faz dentro e fora do rio... permeando todo o reino de vegetações...







Uma ave dos cantos notívagos...
Costumeira a cantar nos cantos da vegetação...
Sossega e canta...
Suspira e sossega...
E canta...
E olha, me olha...
Me reconhece e canta...
Canta e suspira, sossega, me olha, reconhece-me e canta...
E se dá o que se desconhece, mas é o que se reconhece...
À escuta de mim e da ave está nosso incomum...
Em nosso ímpeto interno...
E soam os ventos, soam os vendavais e soa junto nosso reconhecimento...

Suspirando com a terra úmida...
Vai-se o rio terroso que suspira também...
E a água é a nossa água...
Enquanto se vê o olhar das pedras, tudo se move...
As pedras se movem, sente-se o movimento no interior da terra...
Perde-se enquanto se encontra neste lugar de múltiplos relevos...
Se condensa a primitividade essencial a cada animal presente ali...
Entoando-se voz primitiva, suspirando-se a fluidez primal...
O olhar das plantas, o uivar da noite e sua cantiga que acalma...
Ela oferece o medo e o sossego, aceita-se o que se quer...

Este lugar, a noite...
Não há variabilidade...
O olhar que desprende-se...
E as névoas, saem da água, saem da terra e estão entre as plantas...
Cobrem os bichos e fazem a unidade das coisas daqui...
Tudo é uma unidade apenas...



Mosiah Schaule